domingo, 31 de janeiro de 2010

Uma Caminhada no Deserto

 
Deserto do Atacama - Vale de la Luna.
Ultimamente sinto minha vida como uma caminhada no deserto do Atacama. Dias quentes, extenuantes e sem vento. Minhas mucosas sangrando hemorragicamente, uma dor insistantemente irritante, como música ambiente, de fundo, só que no meu triste caso, apenas dor. Os lábios rasgados pelo clima seco, onde comer torna-se uma tortura vagarosa e contínua.  A existência é no limite do suportável. O sol brilhando, como de seu costume, transforma-se num objeto de ódio mortal, posto que sua existência é inevitável. A minha existência é evitável. Esses pensamentos tortos conduzem para caminhos mais tortos ainda, portanto, deixo-os secando ao sol para que não voltem a me importunar. Mas, como o sol, como seu costume, sempre voltam, e a cada dia com um novo e lógico argumento. A faca, outrora objeto necessário para a vida, para cortar a carne alimento, brilha intensamente à luz do pensamento maléfico, e também serve para cortar a carne, só que a minha carne. Espero eu, que acorde desse delírio, que tudo isso seja apenas fruto de uma insolação costumeira, e que meu regresso às terras de clima mais amenos me façam bem. Mas, condenado alguns dias ainda nesse deserto, que tenha força para me livrar desse peso que carrego. Tudo, aqui no deserto, reluz diferente. O sol parece se comunicar através da luz, desejando carregar algo para suas entranhas e queimar como combustível de sua existência. Talvez seja isso mesmo, o sol quer apenas a minha carne para manter seu corpo ardente. Sei que busco a sombra, no intuito desesperado de voltar a realidade. Que ódio! Maldito deserto! Não tem ao menos uma arvorezinha para ter uma sombra de paz. Isso que odeio mais nesse purgatório, essa ausência de cantinhos de paz. É um mar de esterilidade, de locais de sol, calor e dor. Não tem descanso, tem apenas a luz do sol, chamando para fazer parte de seu corpo. Insistindo em me levar. Luto ferozmente para me agarrar ao sentido da vida.

Volto para meu lar. Depois dessa caminhada, o lugar que julgo mais tranquilo no mundo. Minha casa é o sagrado lar da felicidade. Avisto de longe os contornos familiares, as paredes brancas que com esmero pinte. Aumento o valocidade, só penso na água e no prazer que me proporciona. Desejo profundamente que espaço se encurte. Desisto de caminhar  e corro. Meu cantinho de paz contina longe. O desespero aumenta, parece que a distância se mantém a mesma, continuo vendo os contornos, sem maiores detalhes. Um sentimento de medo surge, como quem não quer nada. Corro freneticamente, esgotando todas as minhas energias. O lar ainda está longe, terrivelmente longe. Paro, ao sol, e deixo que aluz se torne faca e corte meu corpo. Eu desisto. Ainda ofegante, sinto uma certa paz, talvez tenha chegado a hora de desistir mesmo. Pelo menos, morro parecendo um herói, que lutou até suas últmas gotas de sangue.

Acordo em casa, no Rio de Janeiro, quente e ensolarado. Desconheço o que me ocorreu, talvez um sonho ruim. Sei, que as ruas daqui são estéreis. Continuo sem encontrar a minha sombra, mas a rotina me faz homem normal. Acordo cedo, já sabendo que o interfone irá tocar. Levanto, tomo banho. Escuto os latidos de meu cão. A chave ricocheteando na porta. A dobradiça rangendo seus dentes. Passos. Vozes. Desligo a água, olho para a toalha. Percebo os diferentes tons que a umidade confere ao pano. Pego a toalha. Olho no espelho. Não me reconheço. Escovos os dentes*. Abro a torneiro. Bochecho água. - Bom dia cara!. Passo por cima da cama. Pego minhas roupas. Visto-as. Pego meus pertences. Giro a chave. O Sol está brilhando, sua luz reluzindo. Saio com o carro.

Definitivamente, vivo num deserto. Não vejo emoções nas esquinas. O sorriso do vizinho é degradante. Odeio a classe média burguesinha. Tudo corretinho, como manda o figurino. Tudo estéril.

Vejo nos meus sonhos uma mulher de cabelo curto, tatuagens amostra. O olhar de pessoa decidida. Botas de milico, saia provocante. Qualquer dia desses ela há de arrombar uma porta, num chute só, e levar todos os pertences. Que a casa seja a minha, e que os pertences sejam os meus livros e tudo o que eles me disseram. Espero pela moça.

* Escrevi que escovos os dentes só para parecer higiênico.
2 - É só um texto, não quero me matar. Bom, eu acho...(3)
3 - Piadinha acima, só para assustar. hahahahahaha.

2 comentários:

  1. Eras, amei o texto. Meio Paulo coelho.
    Eu ando me sentindo assim esses tempos também. Tenho sido uma fugitiva em potencial...
    Te seguindo agora. Gostei daqui. :)

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  2. Gabi, você por aqui? (Ih, rimou! rs)

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