quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Quando criança...


Vladimir Kush - The End of The Earth

As minhas mais tenras lembranças são de uma pessoa sempre apaixonada. Escolhia meu alvo, meu objeto de desejo, meu amor platônico e derramava todo meu amor sobre ela. Durava uma eternidade de meses até que percebia uma relação estéril. Rogava minhas últimas energias. Sonhava, idealizava e assim, no meu pequeno mundo, realizava. Chegava a segunda-feira, primeiro dia na escola pós final de semana. Olhava minha musa e a empurrava de seu pedestal. Fazia isso para me proteger. Sabia de minhas impossibilidades e enchia-a de defeitos. Pois o nariz é muito grande! Orelhas enormes! É muito lerdinha pro meu gosto. Mora longe demais. Uma cachoeira de defeitos impiedosos e malvados. Tudo no silêncio de meu pensamento, no consentimento de meu coração. E a musa, esparramada no chão, era a minha deixa para a vitória, o triunfo do rejeitado. Ria maleficamente com a ex-Deusa no chão, meu chão. E meu trabalho recomeçava, onde estaria a minha nova musa? E, esforçava-me para ver as qualidades de minhas futuras pretendentes. Ela nem é tão gordinha asim...

A crinça cresceu, tornou-se algo maior, mais velho e cheio de possibilidades. Esforçou-se para extinguir sentimentos que lhe traziam dor, mas, no mesmo manual, não lhe ensinaram a viver sem sentimentos. E agora, ser apaixonado sem paixão, viu-se sem chão. Empurraram-no ao chão. Alguém ri maleficamente. Será que estou pagando por toda a minha blasfêmia com aquelas Deusas?

E assim, eu me sinto um barco perdido na imensidão do mar. Com inúmeras possibilidades, inúmeros cais espalhados por todos os continentes, mas verdadeiramente perdido. Será que me tornei marinheiro de amores rápidos? Será que me tornei um lobo solitário preso à matilha de amigos fiéis? Perdido é a definição que dou ao barco dos meus sentimentos. Quebraram o timão, rasgaram as velas, quebraram o mastro e destruíram o leme. Ou seja, agora é ao sabor do acaso. Que venham ondas que carreguem para uma ilha, que afunde o barco, que destrua tudo! Mas não me deixe nessa água parada, fria e sem vida.

2 comentários:

  1. Amores platônicos infantis sempre deixam marcas, boas ou ruins. Em geral, nos deixam traumas, marcas de um aprendizado. Mas tudo muda, assim como você mudou ao longo dos anos, todo o resto há de mudar, mas sempre irão existir musas para inspirar poetas e destroçar corações em qualquer canto que formos e em qualquer época que estejamos.

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  2. acho que é seu texto mais legal, até agora!

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